sábado, 6 de novembro de 2004

Minha FILHA

Sem querer parecer lamechas, vou começando a descobrir o que é ser Mãe.
Na verdade, a princípio eram mais os receios, e as intermináveis questões.
Receio de não estar preparada como pensava antes de engravidar.
Receio de não responder ao que se exige de uma mãe, porque na realidade, assim que se é mãe, é evidenciada a apetência imediata para o “cargo”, sem se lhe ser perguntado nada, e sem dar hipótese de questionar nada. Daí talvez o medo de falhar, toda a expectativa não criada na figura do pai, passa imediatamente para a mãe.
É inquestionável a ligação profunda, e muito mais do que se percebe à partida, entre o bebé e a mãe. Mas porque não deixá-la fraquejar um pouco...tem de ser forte, mostrar confiança, tem de permanecer inabalável a qualquer tipo de pressão, engolir aquela lágrima que teima em sair numa qualquer falha.
Tudo isto em volta de um olhar tão puro, tão limpo, franco e claro, não exigindo tudo o que o mundo nos pede. Ao contrário, quer a simplicidade de um abraço, de um olhar carinhoso, despreocupado, sem medo, somente a atenção. E aquela mão bem forte em redor do seu corpo aparentemente frágil.
Por entre receios, aparecem então algumas das questões, que antes pareciam infundadas e sem sentido algum. A realidade surpreende-nos por entre cada respirar nosso, o próprio ar que pensamos nos rodear, num segundo consegue desmoronar e apagar a sua força, desaparecendo num sopro de emoção, causado pela simples notícia de que a criança nasceu perfeita...A espera do primeiro choro, depois do esforço, uma espera que parece não acabar, e o ar sim, acaba-nos e somente nos possui depois do esperado...A primeira preocupação, ainda mal se reconhece já existe uma possibilidade e um receio de algo correr mal, o chão esvai-se ardendo a cada suspiro, a Lua despe-nos, o Sol petrifica-nos, ficamos sem ver e sem ser, até à manhã seguinte que nos dizem o que queremos ouvir...
E nesta realidade começam então a nascer as questões que no fundo nos estão a levar, sem na altura percebermos, para a construção de um caminho novo, que começou na certeza da gravidez até ao confronto deste novo ser na vida do casal.
Será que não se perderá o especial que envolve cada casal, como aquele pequeno mas maravilhoso momento de amor de uma tarde perto do sol?
Será que o olhar que se voltava apenas para mim, conseguirá ser o mesmo depois daquele ser incrível nos derrubar com o seu esplendor?
Depois do desforme, de alguma fraqueza, da simplicidade de um olhar meu pertencer agora às duas; depois de toda esta alteração em mim, ainda conseguirá surgir aquele mesmo pequeno momento que parece nos unir em um, de corpo e sangue?
O ser humano é regido em grande parte por egoísmo, receio de perda, atenções absolutas. Algo que apareça que nos abale a bem ou a mal, acciona imediatamente as nossas fraquezas.
Mas o caminho para a força e a confiança em nós próprios, é exactamente, por entre a caminhada que criamos, passarmos por algumas tempestades, de areia, de vento, de mar, a sonhar. Só percorridos estes embustes é que olhamos para nós e nos vemos finalmente com a confiança renovada, voltamos então a encontrar aquele olhar que nos parecia perdido, o som da nossa própria voz a ecoar por dentro a certeza da felicidade.
Passados alguns medos, que logicamente nos vão acompanhar, tudo parece ter sido irreal: como pude ter receio de perder o momento, como pude ter medo de não mais sentir queimar a sua boca no meu corpo, como pude perder tempo com todas estas questões se já antes vivia as mesmas certezas que tenho hoje.
O Amor só pode ter fortalecido, o sonho que nos une só pode renovar-se a cada beijo, e a nossa vida passou de um pequeno mas maravilhoso momento, para todos os momentos de todos os dias, por entre a perfeição que criámos. A filha.

17/Jun/2004

1 comentário:

P disse...

Um dia a Catarina vai ler este texto e confirmar tudo aquilo que a vida lhe vai mostrar entretanto: que não podia ter melhores pai e mãe. Era criminoso que vocês não tivessem filhos, porque vocês nasceram para isso, com uma cada vez mais rara capacidade de amar incondicional e honestamente. O mundo ficou de repente melhor, desde que nasceu a Catarina. Por ela própria, tão linda! e pelo amor que encheu ainda mais a vossa casa. Raite, és maravilhosa. beijos do mano.